O feriado da Proclamação da República de 2019 foi marcado por comentários enaltecedores de membros do governo Bolsonaro ao período imperial brasileiro. Inquieto diante disso, fiz rápidos comentários críticos a esse respeito, utilizando algumas informações sobre a educação.
Algumas pessoas ficaram contrariadas com o fato de eu ter trazido dados relativos ao analfabetismo para apontar o quão deslocados foram os rasgados elogios feitos pelo ministro da educação a Dom Pedro II e a monarquia. O ministro da educação da época, Abraham Weintraub, chamou o monarca de “patriota, honesto e um dos maiores gestores e governantes da história”.
O bom dessas contrariedades de rede sociais é que elas nos fazem voltar a estudos já feitos ou mesmo pesquisar algo que nunca tínhamos investigado.
O que os dados nos dizem em relação ao analfabetismo?
Como pode se ver na imagem abaixo, a transição para república converge historicamente com o início da queda do analfabetismo no Brasil. Sabe-se que muitos fatores explicam essa redução, a educação é um fenômeno multicausal. São variáveis a se considerar: o fim da escravidão, a política de incentivo a imigração europeia adotada no final do século XIX e início do XX, a urbanização crescente, o processo de industrialização, mudanças paradigmáticas no campo das ideias, entre outras.
Não se está dizendo, portanto, que a república como sistema de governo é a causa da redução sistemática do analfabetismo, mas que ela é o contexto no qual ele ocorre. Com base nisso, podemos dizer que qualquer defesa da monarquia não se justifica politicamente e nem se assenta em dados quando falamos em educação.
Ao olharmos para o período final do império (1872–1890) não há mudanças positivas na taxa de analfabetismo das pessoas com cinco anos ou mais, pelo contrário, ela cresce. Porém, nas décadas seguintes pós Proclamação da República, identificamos redução importante da mesma (imagem abaixo). Os índices brasileiros de analfabetismo sempre foram altos na comparação internacional.
Se fizermos um paralelo com a Argentina, por exemplo, falando agora da taxa de analfabetismo de pessoas com 14 anos ou mais, em 1869 a taxa naquele país era de 77,4%, caindo para 35,9% em 1914 e 13,6% em 1947. No quadro abaixo você pode comparar com o Brasil esse dado e notar como o descaso imperial com a educação se reflete no século XX.
Se olharmos para Europa, a queda do analfabetismo passa a ocorrer justamente a partir da década de 1870, como no Brasil não houve a estruturação de um sistema de ensino sólido, podemos dizer que nossa dificuldade em educar a população tem também raízes imperiais, além das republicanas e contemporâneas.
Nas imagens abaixo constam as informações relativas ao analfabetismo de homens e mulheres em vários países da Europa.
Nessa tese de doutorado, de Renato Colistete, há dados comparativos interessantes, eles mostram que as condições brasileiras são piores inclusive que a média da América Latina quando falamos do final do período imperial. Há de se ter cuidado especial em fazer comparações estritamente de indicadores educacionais, pois as formas como eles eram coletados não necessariamente eram as mesma. Há diferenças estruturais (econômicas, sociais, culturais) entre países naquela época que também devem ser consideradas.
O que sabemos de concreto é que enquanto muitas nações consolidaram seus sistemas educacionais ao longo do século XIX, o Brasil não o fez. A tese mencionada acima busca justamente entender quais foram os motivos para que o Brasil tardasse a estabelecer um sistema educacional com alcance razoável.
A historiografia ainda estuda isso, mas o que há de mais consolidado é que houve uma estagnação de indicadores de analfabetismo entre a independência (1822) e a república (1989), mais de 80% da população se manteve nessa situação. Isso indica que o usufruto dos avanços culturais trazidos pela vinda da família real ficaram concentrados nas elites locais. Enquanto isso, a imensa maioria da população ficou alijada da educação. Exclusão social e descaso com a educação são heranças do período monárquico brasileiro.
Por fim, sugiro esses dois artigos (1 e 2 ) para leitura complementar sobre o tema.