Esse texto gerará desconfortos e, provavelmente, mal entendidos. Correrei o risco pela disposição de fazer um debate que considero inadiável com um amplo setor da área educacional, o denominado campo progressista, constituído de grupos mais à esquerda no espectro político, presentes em diversos partidos, sindicatos e entidades.
Tenho mapeado os argumentos dos teóricos do bolsonarismo em relação à educação. Afora as críticas mais simplórias, calcadas em teorias conspiratórias, há algumas mais elaboradas que focam nos seguintes pontos: os custos e a produtividade das instituições de ensino superior públicas; os formatos e o conteúdo das produções acadêmicas da área educacional; a falta de exigência por resultados nas políticas educacionais dos últimos anos.
Nesse caldo de teses do bolsonarismo, há um volume de questões que conseguimos desmentir com boas evidências e argumentos qualificados. Porém, se porventura não conseguirmos responder de pronto algumas das críticas, é sinal de que uma autocrítica se faz necessária. Para quê? Para entender, no mínimo, duas questões:
i) como “Escola Sem Partido”, “Ideologia de Gênero”, “doutrinação” e coisas do tipo ganharam tanto respaldo no imaginário social?
ii) como ONGs e fundações privadas têm hoje um protagonismo no debate educacional maior do que a academia e entidades representativas?
No meio educacional, há setores bastante resistentes a um conjunto de propostas cujo foco é a melhora dos resultados de indicadores de aprendizagem. Críticos das avaliações em grande escala, esses setores apontam corretamente seus limites. Por outro lado, pouco reconhecem a importância que elas têm e questionam todo tipo de ação que visa a “atendê-las”. As alegações para barrar políticas de viés mais quantitativo, produtoras de métricas e diagnósticos constantes (avaliações), quase sempre se apoiam em especulações principiológicas, quando não denunciam supostas “intenções de controle” do trabalho dos professores.
Esses mesmos setores que rejeitam as chamadas “políticas de indução da qualidade”, são os que na crise do coronavírus, por exemplo, tiveram dificuldade em apoiar a oferta de atividades remotas para reduzir os danos da inatividade escolar. Ao invés de olhar para o processo pedagógico que pode se desencadear na busca por melhores indicadores e na tentativa de outros formatos de atividades em um momento de emergência, esses setores ficam presos à crítica de que se está querendo “valorizar a competição”, “vender a EAD como alternativa”, “que irá se ampliar a exclusão” quando sabemos não se tratar disso. Algumas bolhas mais estereotipadas chegam ao extremo de considerar o uso de dados quantitativos (malfadadas evidências) como a tentativa de se fazer cortina de fumaça para impor “medidas neoliberais na educação”.
Ao se apegar a julgamentos de intencionalidade (problema sério dos que creem que as pessoas da sua corrente política detêm o monopólio das virtudes) e a toda sorte de desconfianças (entidades/propostas dos “empresários”, etc), esses setores se portam sistematicamente de forma reativa quando se deparam com ideias que os desacomodam prática e ideologicamente. Pouco valorizam, nesses casos, a premissa de que a ciência e a educação são campos dinâmicos, de mudanças, em que as tentativas de inovações em si já são processos educativos. Preferem a inércia, a negação, a rejeição daquilo que, muitas vezes, não conhecem em detalhes ou de propostas que ainda estão em construção. Não consideram que quando a sociedade, os fatos e os problemas mudam, as ideias e as propostas precisam mudar também e que mudar de posição sobre temas complexos não é demérito.
Sem sermos propositivos e cobrarmos resultados no serviço público, iremos continuar em patamares muito aquém do que poderíamos estar no que tange ao ensino. Seguiremos aceitando que estereótipos negativos sobre o serviço público (erroneamente generalizados) se fortaleçam no imaginário coletivo. “Que absurdo! Quer instituir prêmios e exigir rendimento de profissionais sobrecarregados, quer a lógica privada na educação!” Não. Não quero isso. Quero desprendimento para enfrentar o diagnóstico de que precisamos de mudanças importantes no setor público e, no caso da educação, também na forma como trabalhamos do ponto de vista pedagógico no Brasil. Isso irá desacomodar, irritar, frustrar, mas precisa ser construído no país.
Na educação, tecnicamente falando, é central entendermos como crianças e jovens aprendem e ter um foco cirúrgico em intervenções que possibilitem e garantam essa aprendizagem. A escola é responsável por parte do aprendizado, o contexto familiar e social tem relevante papel também. Aquilo que cabe à escola tem de ser realizado da forma mais eficiente possível, ainda mais para os estudantes vulneráveis. “Nossa! Você está propondo que a formação integral (omnilateral) seja esquecida”. Não. Estou dizendo que há um conjunto de condições cognitivas necessárias ao bom andamento da trajetória escolar dos estudantes e que elas são desenvolvidas gradativamente e dependem de intervenções pragmáticas permanentes para se consolidar. Isso é técnico, não apenas político.
Para dar um exemplo, remeto-me a um debate muito comum na educação profissional, sobre o ensino da politécnica. De acordo com certo entendimento, a formação técnica só deve se tornar possível ao estudante, após a sua incursão no universo das ciências e das letras. Somente desta forma o futuro técnico poderá compreender sua própria atividade, não se alienando do trabalho que realiza. Idealmente faz sentido. Todavia, no limite, em uma compreensão enviesada, defende-se que seria possível renunciar à formação técnica, concebendo a formação de um “politécnico” que deve ter “o domínio dos conhecimentos científicos das diferentes técnicas que caracterizam o processo de trabalho moderno”.
Assim sendo, se reproduz na prática um preconceito que quer se combater na teoria (contra o conhecimento prático) ao requerer que o ensino técnico exija a ciência, as letras e desvende a complexidade da sociedade antes de ofertar a formação técnica da terminalidade específica. Em nome de fornecer uma educação omnilateral (pouco compreendida e mal operacionalizada), corremos o risco de dar pouca atenção para pré-requisitos técnicos básicos para qualquer processo educativo, como alfabetização bem conduzida e raciocínio matemático consolidado. Estudantes pouco entenderão as contradições da sociedade sem dominar a leitura minimamente. Não conseguirão analisar a ordem de grandeza da desigualdade econômica sem noções mínimas de escala, proporção, percentagem e probabilidade. Não irão denunciar e analisar os dramas sociais sem escrever razoavelmente bem.
A formação ético-política do cidadão, fundamental para que ele intervenha no debate público com qualidade, requer, entre outras coisas, o desenvolvimento de habilidades relativas à língua, à matemática e ao saber fazer que não são pavimentadas pela formação ético-política em si, mas pela formação pedagógica, pela permanente exposição a atividades que exercitem sua capacidade intelectual.
A produção acadêmica e a formação
Levando a crítica para o campo da produção científica, identifico que, em nome de priorizar uma teorização sobre a estrutura da sociedade, que é importante, mas insuficiente, as publicações da área educacional no Brasil encontram muitas dificuldades para apresentar resultados longitudinais, calcados em sólidas e sofisticadas modelagens e metodologias.
A produção de evidências empíricas testáveis e comparáveis é algo que não encontramos com facilidade na produção acadêmica da área educacional brasileira. Se pegarmos o tema da formação de professores, por exemplo, é raro achar pesquisas que demonstrem relações de causa e efeito entre estratégias de formação praticadas e resultados positivos de aprendizagem em escala considerável. Em alguns casos extremos, temos publicações que adotam um tom romantizado do fazer docente, que buscam ser atraentes para o leitor, mesclando conceitos da educação com reflexões valorativas (o que é interessante mais para filosofia ou mesmo para literatura), mas pouco apontam caminhos práticos e factíveis para guiar a ação pedagógica.
Umas das chaves explicativas para posturas tão resistentes a políticas de indução de qualidade e para o perfil da produção acadêmica no país, a meu ver, é o caráter pouco prático da formação inicial e continuada dos professores no Brasil. A história do curso de Pedagogia se remete a formação dos “teóricos da educação”, para lecionar nos cursos de magistério (curso normal) na primeira metade do século XX. Isso nos legou currículos de licenciaturas e uma cultura de formação continuada que privilegiam análises conceituais, macrossociais e ensaísticas, em detrimento do saber fazer na gestão da sala de aula e da escola.
Aqui se constitui um círculo vicioso, o público de licenciaturas, em geral, tem baixo capital cultural e, portanto, dificuldade de consumir materiais eminentemente teóricos. Contudo, são expostos mais a eles do que a metodologias de caráter mais prático. Então, esse público se forma demostrando grande dificuldade de ensinar. Fruto disso, boa parte das crianças e jovens não aprendem, têm uma trajetória escolar irregular e alguns daqueles que conseguem concluir o ensino médio, por razões de prestígio social da profissão e facilidade de ingressar, acabam entrando nas licenciaturas.
Estou advogando que a teoria não é importante? De modo algum. Estou dizendo que dimensões principiológicas têm de ter espaço compatível e que estudos de caso, boas e inovadoras práticas, leituras mais atualizadas de metodologias que estão na fronteira das ciências cognitivas merecem mais espaço. Não se está negando a relevância do papel da teoria social crítica, mas se salientando que ela não pode ser a única fonte para se pensar políticas educacionais. Há processos práticos que não necessariamente estão informados por profundas “intenções de dominação”, “interesses do capital” ou coisas do gênero. Estou falando de saber e praticar aquilo que mais funciona desde a alfabetização até o ensino médio, de atualizações referentes às demandas trazidas pelas novas gerações de estudantes, de formas mais eficazes de gerir turmas e projetos de ensino.
“Ah, mas essa é uma postura utilitarista, conteudista, positivista”. Não. É uma postura que não aceita que crianças e jovens que podem aprender não o façam porque priorizamos em demasia nas formações iniciais e continuadas análises especulativas datadas que pouco se incorporam ao repertório prático e intelectual de quem vai estar em sala de aula. Devemos priorizar as trocas e atividades que debatam as evidências do que dá certo do ponto de vista da garantia da aprendizagem.
Não podemos nos contentar apenas com abordagens “reflexivas” que quase sempre desaguam em análise de conjuntura (há outros espaços para isso), em juízos de valor pouco afeitos aos anseios práticos de docentes e estudantes. Isso pode desconfortar alguns que me leem, mas sim, nosso foco deve ser instrumentalizar o fazer pedagógico para que ele atinja os melhores resultados. Para isso, os professores precisam mudar constantemente, serem desafiados a procurar alternativas didáticas, a propor dinâmicas coletivas e individuais mais efetivas, esse deve ser o mote da política educacional e da formação continuada.
A área da educação aos olhos de outra
As questões que estou tratando se relacionam também com a valorização da profissão do magistério, a pedagogia, por exemplo, não é concebida como uma ciência por inúmeras outras áreas, já vivi isso na pele. A parte “técnica” da educação é desmerecida em alguns círculos acadêmicos justamente por se apresentar, em geral, de forma especulativa, contemplativa, com ênfase grande em aspectos conceituais, políticos. Repito, claro que essas são dimensões importantes, mas é preciso que um pedagogo ou pedagoga, que se diplome, também saiba explicar tecnicamente como se alfabetiza, como o cérebro aprende, quais são as metodologias mais adequadas para cada etapa e contexto, como se elabora um planejamento de ensino, o que deve conter na proposta pedagógica de uma escola, quais são os parâmetros legais da educação, entre outras informações.
Precisamos garantir que os docentes tenham domínio das dimensões técnicas e políticas e elas não se excluem. A literatura educacional é farta em mostrar que o professor é o principal vetor para a conquista ou não da aprendizagem pelos estudantes na escola e, inclusive, tem grande influência nos rendimentos futuros daqueles estudantes que passaram por ele. A nossa profissão convive com a necessidade constante de se aperfeiçoar a prática para que as intervenções realizadas colham cada vez mais aprendizado.
Não iremos qualificar a prática apenas lendo as Teses sobre Feuerbach e a Pedagogia do Oprimido. Nem conceituando currículo como “a vida que acontece na escola” e defendendo o princípio constitucional da gestão democrática no abstrato. Isso é importante, mas precisamos tocar os corações e mentes dos profissionais, desafiá-los. É necessário arriscar mais, arquitetar formas para que redes e escolas cooperem, instituir metas factíveis. Os sistemas de ensino que avançaram nos últimos anos assim o fizeram.
Por ter vivido no meio educacional durante toda vida (família de professores, graduação em pedagogia, mestrado e doutorado em educação), passei, como estudante e profissional, por várias gestões educacionais e tipos de formações continuadas. Trabalhei com movimentos sociais, em formações continuadas em cidades com governos populares, governos de centro e governos conservadores. Pouco vi se modificar a postura e o pensamento desses setores educacionais mais à esquerda que ora provoco.
O apoio da sociedade aos profissionais da educação nunca esteve tão em xeque como nos últimos anos, daí a ascensão do bolsonarismo e suas teses ligadas às “guerras culturais”. Quando me deparo com formações continuadas constituídas de falas unívocas, por vezes panfletárias, que chegam a dar margem para discursos de que na educação “só se politizam as coisas”, me pergunto: como sair da bolha adotando narrativas que só fazem sentido para bolha? Como deixar de pregar para convertidos se é exatamente o que é feito nos debates da área?
Outro fator que salta aos olhos é a dificuldade para lidar com a discordância. As redes sociais materializam isso, “só compartilho pessoas do meu time”, os que destoam ideologicamente podem até estar analisando de forma interessante, mas não se pode “dar palco a eles” por questões de fidelidade ideológica, que é mais considerada quanto mais sectária for. Como perdemos com isso.
Nem todas as medidas que nos desacomodam ou que, à primeira vista, não atendem aos nossos desejos ideológicos, são antagônicas à necessária luta estrutural por valorização das carreiras do magistério, por melhores condições de trabalho, por autonomia das instituições, por liberdade de cátedra.
Propostas que precisam de um “start”
a) Para frear a disseminação das teses educacionais do bolsonarismo, é fundamental que o campo democrático e, principalmente, a esquerda, formule respostas práticas que respondam aos anseios da sociedade por um Estado e uma educação mais eficientes. Isso passa por:
b) Produzir pesquisas (e materiais delas resultantes) mais qualificadas na área educacional na universidade brasileira. É imperativo fazer com que os docentes/pesquisadores equilibrem o ethos mais ensaístico de suas pesquisas com a realização de trabalhos empíricos com modelagens e abordagens que transcendam entrevistas e observações como fontes únicas de obtenção de dados. Precisamos aprimorar a ciência da educação em termos metodológicos, sendo pragmático, isso parece requerer que se atraia investigadores de outras áreas para o tema educacional. Hoje, ao menos na seara educacional, a academia foi “substituída” no debate público por entidades do terceiro setor (ONGs e Fundações) que produzem conteúdos de qualidade e circulam política e institucionalmente de forma mais propositiva, tanto no poder público quanto na mídia.
c) Remodelar a formação inicial dos professores no Brasil. Temos de focar mais em dimensões práticas e em como crianças e jovens aprendem. As descobertas recentes da neurociência e da psicologia cognitiva pouco aparecem nos currículos e práticas das licenciaturas.
d) Repensar as políticas de formação continuada em nossas redes de ensino. Focar em metodologias de ensino, em gestão de sala de aula, na técnica de planejar e executar ações, projetos e dinâmicas que além de fazer sentido para os estudantes, os garantam o desenvolvimento de habilidades necessárias para a cidadania plena (ler, escrever e calcular são as prioridades sim, um imperativo ético).
e) Ter metas de aprendizagem nas redes de ensino sim, factíveis e operacionalizadas de forma que a cooperação e não a competição levem a determinadas recompensas, sejam financeiras, de infraestrutura ou de status social. Metas são importantes para tudo na vida (imagino os olhos arregalados). Metas que possam ser avaliadas pelos próprios atores do processo educativo.
f) Na gestão pública, é fundamental desenvolver instrumentos de avaliação e monitoramento da aprendizagem de uso contínuo e constante. Identificar as estratégias e ações que comprovadamente fizeram algumas redes de ensino avançarem nos resultados das avaliações em grande escala e se inspirar é fundamental. “Ah, mas essas avaliações têm problemas”. Eu sei, porém, é fundamental ter o IDEB, o ENEM, a ANA melhores, esse é um dos meios de garantir educação de qualidade. “Ah, mas qual é seu conceito de educação de qualidade, isso é só decoreba”. Não é não, é trabalho bem feito e que produz orgulho e pertencimento aos profissionais. “Ah, mas isso é contra a filosofia de uma gestão de esquerda”. Bom, aí se assume que se prefere manter o conforto ideológico ao invés de propor algo que desacomode, nada mais dissonante da tese marxista de tomar a “prática como critério de verdade”, aliás, tese das mais desconsideradas no meio educacional.
g) Se há evidências sólidas de que determinada medida melhora o aprendizado dos estudantes (objetivo último da escolarização), mas ela vai de encontro aos seus interesses e crenças, qual sua atitude? Todos devemos nos fazer essa pergunta.
Palavras finais
A educação é um tema sobre o qual todo mundo tem opinião. Intuições e exemplos particulares sobre o tema aumentam o risco de as pessoas se apoiarem em evidências anedóticas (“ouvi falar”, “comigo foi assim”) e encontrarem viés de confirmação (uma vez adotada uma crença, só buscar exemplos que a confirmem) em tudo que analisam. Não podemos aceitar que os profissionais da educação incorram nos erros de senso-comum descritos acima. Um educador (licenciado) deve ser fonte de informação técnica para a sociedade, não apenas sobre sua área específica, mas sobre como ensinar. Não perguntamos para um engenheiro sobre metodologia de ensino ou para um enfermeiro sobre a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, temos de formar pessoas que tenham orgulho de possuir um tipo de conhecimento específico que o diferencie de outros profissionais.
A educação é permeada pela política, como tudo. A gestão educacional é um processo complexo de trabalho coletivo que requer, entre outras coisas, o convencimento dos atores que estão na ponta. Por isso, não existe política educacional sem gestor (de rede e escola) e sem professor. Mas a educação é permeada pela técnica também. Gestões que alcançam resultados satisfatórios são aquelas em que a maioria dos docentes se sentem capacitados para exercer seu trabalho e identificam que seus esforços, individuais e coletivos, produziram bons resultados.
Esse texto busca dar luz para algo que parece não preocupar alguns colegas, nossos vícios, nossos dogmas, nossas insuficiências. Elementos chaves do argumento bolsonarista sobre a educação não ganham eco na sociedade apenas porque eles têm máquinas de difusão de notícias e interpretações. Ganham eco porque as pessoas (incluindo os estudantes) identificam limites sérios em nossas posturas e práticas profissionais coletivas, em nossos sistemas de ensino. Precisamos pensar sobre isso com humildade, sem preconceito ideológico e ranço pessoal.
Meu objetivo é tratar apenas do tema da educação, mas é impossível não finalizar fazendo um comentário mais amplo em relação a essa parte da esquerda (pluripartidária) que critico. Hoje ela tem muita dificuldade de dialogar com parcelas significativas da população, costuma dobrar a aposta em comportamentos e posições caricaturais (apegados a signos e personalidades usados para demarcar terreno, ações que têm como efeito, basicamente, angariar mais rejeição e causar controvérsia).
Tal esquerda é pouco afeita a concertações, a ceder, é pouco disponível para a construção de projetos políticos que não contemplam todas suas peculiaridades ideológicas. Caracteriza-se por ter convicções (inarredáveis) cuja rigidez, por vezes, é inversamente proporcional à qualidade técnica da análise que as informam, isso é comum em avaliações econômicas, por exemplo. Parece se contentar com narrativas pouco precisas, dispondo-se pouco a ir ao pormenor, ao microdado, à minúcia das variáveis envolvidas nos fenômenos que interpretam. Por fim, essa parte da esquerda é marcada por uma desconfiança ética visceral de atores políticos que não compartilham de suas premissas ideológicas, o que gera tensionamentos que inibem muito a adesão das pessoas às suas ideias.
Claro que muitas coisas me escapam, que devo ter cometido injustiças. Nesse texto-desabafo, expresso uma visão bem particular, de quem trabalha em quatro licenciaturas e não consegue identificar êxito na forma atual como temos conduzido as políticas educacionais e a formação de professores. Desconfio que muito daquilo que critiquei neste texto é feito no automático, são posturas e discursos incorporados ao habitus do campo educacional. O diagnóstico, a meu ver, indica que precisamos mudá-lo, ao menos problematizá-lo, sob pena de a interpretação bolsonarista para educação ganhar mais espaço e a esquerda ter ainda mais dificuldades de se apresentar como veículo da mudança educacional e societal.