Estamos em uma sala de aula do 1º ano do ensino fundamental. As crianças estão aprendendo a ler e escrever, muitas nos primeiros contatos com o lápis.
A professora Livia andava entre as classes depois de ter apresentado uma atividade. Passando ao lado de Pablo, notou que ele apertava o lápis com força no caderno, além disso, estava tentando escreve uma palavra que inicia com V, com F. Livia parou, se abaixou e pediu que Pablo olhasse para sua boca e ouvisse a diferença do som que cada letra representava.
Depois a professora pegou o lápis e mostrou o contorno de cada letra repetindo o som. Ao ficar em pé, ela acariciou a cabeça de Pablo e lhe disse palavras que o motivaram. Daniela era uma aluna adiantada, estava lendo e escrevendo palavras inteiras. Como terminava antes as atividades, gostava de ajudar colegas, falava com eles bem de perto para não atrapalhar os demais.
Professoras como Livia e estudantes como Daniela faziam repetidamente isso com milhões de estudantes e colegas em todo o Brasil antes da pandemia. A alfabetização requer contato empático, proximidade facial, compartilhamento de materiais. Pressupõe a rasura, o erro, o treino, a prática. Requer a voz, o som, a forma (grafema-fonema), o afago, o sorriso e o incentivo. De longe, de máscara, embora se tenha que tentar, fica tudo mais difícil. Por isso que essa etapa da escolarização tende a ser uma das mais prejudicadas, em especial para crianças que não têm o respaldo em casa para aprender.
Dói estarmos em um país considerado um dos piores do mundo na gestão da pandemia, cuja população tem grande dificuldade de cumprir protocolos de prevenção, inclusive as classes médias e altas. Não controlar a doença significa mais tempo sem escola, ainda mais onde a educação não é prioridade política. Não controlar a doença significa condenar muitos Pablos a não aprender. Significa ceifar o direito de mais de 5 milhões de crianças e jovens que abandonaram a escola durante a pandemia.
A palavra que Pablo escrevia era “vida”, que tanto pulsa na escola e que tanto poderíamos ter preservado se tivéssemos adotado outra postura na crise humanitária que vivemos.