Dar fim aos mínimos constitucionais da saúde e educação ou mesmo unificar esses pisos representaria um ataque ao coração da Constituição Federal. Desvincular seria uma afronta, em especial, à garantia do direito à educação. Por quê?
Leia as passagens abaixo desse trabalho do IPEA intitulado Gastos em Saúde e Educação no Brasil: impactos da unificação dos pisos constitucionais.
“Em todos os municípios o percentual aplicado em saúde estava mais distante do mínimo constitucionalmente definido quando comparado ao de aplicação em educação – em geral, o dobro da diferença (3 p.p. acima p/ educação e 5 a 7 p.p. acima p/ saúde).” Isto é, os municípios aplicam acima do mínimo constitucional em saúde em uma proporção bem maior do que aplicam acima do mínimo constitucional em educação.
“A análise revela que o maior risco da unificação dos mínimos constitucionais recairia sobre as aplicações em manutenção e desenvolvimento de ensino (MDE), ou seja, a educação teria maior risco de perda de recursos que a saúde em 951 municípios, enquanto a saúde estaria em maior risco em 97 municípios.”
Agregue a esses dados, as informações desse levantamento feito pela Folha de São Paulo analisando as capitais brasileiras: o montante aplicado em saúde é, em média, de 21,6% da receita corrente líquida, superando em mais de um terço o mínimo constitucional de 15%. Já em educação, o investimento médio é de 25,8%, perto do mínimo de 25%. Mesma conclusão, o apelo que área da saúde (também subfinanciada no Brasil) tem é maior, logo, com a extinção ou unificação dos pisos ela tende a absorver mais recursos, considerando inclusive o rápido envelhecimento populacional que experimentamos. Debato esses aspectos nesse artigo para o Valor Econômico.
Diante dessa realidade empírica, da cultura política brasileira calcada no imediatismo eleitoral, das distinções de demanda e pressão por aplicações em saúde e educação, como você acha que irá agir o gestor local? Como pensar em melhorar a infraestrutura da educação pública nesse cenário de possível redução de recursos?
Agora que o Fundeb representou um avanço em termos de recursos para os próximos anos, inclusive com foco na educação infantil (responsabilidade dos municípios), a desvinculação pode esvaziar essas conquistas na prática. Além disso, iremos experimentar uma insegurança de financiamento que prejudica o planejamento das redes de ensino e do sistema de saúde, tendo em vista que a “divisão do bolo” ficaria a critério de inclinações políticas e de demandas e pressões emergenciais.
Desde 1934, só em ditaduras o Brasil não teve gasto mínimo com educação e nesses períodos os recursos para educação caíram. Iremos repetir erros históricos? O debate das desvinculações nada tem a ver com a pauta do auxílio emergencial, mudar isso na Constituição faz parte de um projeto informado por premissas fetichizadas de que isso daria mais “flexibilidade ao orçamento”, pura presunção ideológica, sem base empírica alguma.
Em termos de “avaliação de impacto”, que estudo foi apresentado para subsidiar a PEC emergencial? No caso do fim das vinculações da saúde e da educação, as evidências apontam que a tendência é de redução de recursos para essas áreas. Esse paper mostra como que em crises econômicas, a educação perde recursos e o período que se segue é marcado por retrocessos, o que podemos esperar sem as vinculações?
Um governo que propõe o fim dos mínimos constitucionais em saúde e educação em um contexto em que é cobrado por ajuste fiscal acaba por assumir que quer, na verdade, retirar recursos dessas áreas para não tirar de outras. Muitos juristas entendem que os mínimos constitucionais são cláusulas pétreas, caso prospere a desvinculação e a judicialização não derrubar essa decisão, experimentaríamos um duro golpe no futuro da nação.