Levantamento divulgado nesse Valor sobre a execução orçamentária dos estados na área da educação demonstra que em 2021, à revelia do importante incremento na arrecadação, houve redução na aplicação de recursos na área em comparação com 2019 (7,3% abaixo). O quadro nos municípios não é diferente, a maioria não tem aplicado o mínimo constitucional no ano corrente.
Analisando a execução da função Educação da União até o mês de outubro para cada ano, corrigindo pela inflação de setembro último, identificamos que 2021 registra a menor aplicação dos últimos dez anos. Portanto, enquanto país, na contramão da maioria das nações analisadas pela OCDE, o Brasil não aumentou os recursos educacionais para combater os problemas trazidos pela crise sanitária (inclusão digital, adaptação das instalações escolares para o retorno presencial), pelo contrário, os reduziu.
Em função da educação ser uma área ostensiva em recursos humanos, alguns tentam explicar esse cenário recorrendo a Lei Complementar 173/2020, que vedou ampliar salários de servidores e fazer concursos para efetivos até o fim desse ano. Outros argumentam que a burocracia seria um impeditivo para realizar contratações e compras, mesmo que boa parte dos entes tivessem sob decretos de calamidade que facilitava muitos trâmites. Ainda há os que alegam que, a depender do que se quer adquirir, haveria problemas de oferta, como no caso de itens eletrônicos.
A verdade é que a educação vem sendo negligenciada nos últimos anos e que muitas coisas poderiam e deveriam ter sido feitas. No que se refere a União, resta demostrado que desde o início da vigência do teto de gastos a educação não esteve entre as prioridades alocativas, pois a área vem perdendo espaço gradativamente nas despesas totais. Muitos estados e municípios encararam a pandemia como uma grande “chance de economizar” na educação. Ao invés disso, gestores públicos poderiam ter se planejado para priorizar questões ligadas a infraestrutura das escolas, um dos nossos principais gargalos educacionais.
A estratégia de descentralizar recursos para que os diretores escolares os executem seria a mais adequada nesse caso, eles sabem quais as prioridades das suas instituições e poderiam resolver problemas vinculados a rede hidráulica e elétrica, telhados, infiltrações, consertos de equipamentos, reparos para qualificar banheiros e cozinhas. Poderiam também comprar mobiliários e materiais necessários ao ensino, executar planos de prevenção de incêndio (PPCI) e fazer reformas relativas à acessibilidade.
Para além das questões de infraestrutura, outras medidas poderiam e ainda podem ser adotadas pelos estados: programas de bolsas para professores realizarem formação continuada, mesmo de mestrado e doutorado; programa de bolsas para estudantes vulneráveis para combater a evasão, ampliando inclusive o cinturão de proteção social do estado; implementação de programa de reforço escolar, contratação de pesquisas diagnósticas relativas à aprendizagem dos estudantes; contratação de estudos que subsidiem a elaboração de plano de metas rumo a expansão de vagas em tempo integral, todas ações cobertas pelo art. 70 da Lei de Diretrizes e Bases.
Diante de tantas demandas e possibilidades, como podemos normalizar que boa parte dos estados e municípios fechem o ano sem aplicar 25% de suas receitas em educação como prevê a carta magna? Se mesmo com as vinculações a área vive insegurança orçamentária, o que dizer sobre os possíveis efeitos de eventuais desvinculações, tão aventadas nos últimos tempos?
Além de garantir as atuais vinculações, é importante avançar em outros mecanismos que protejam a educação dos ciclos e crises econômicas. Diante das oscilações que sofrem as receitas do Estado ao longo do tempo, é factível garantir expansão e segurança orçamentária para educação pública no longo prazo tendo como fonte do seu custeio apenas a arrecadação tributária? Em função dos nossos crônicos passivos de infraestrutura, de capacitação e valorização do magistério e de todos os desafios corporificados nas 20 metas do Plano Nacional de Educação (Lei 13.005/2014), é mister debatermos com profundidade a possibilidade de mudança da natureza jurídica de algumas despesas educacionais, visando as conceber como investimento (passível de ser financiada com dívida) e não só como gasto corrente. Proponho esse debate ciente de duas informações importantes: i) a de que a despesa em educação pública é progressiva econômica e socialmente falando; ii) a de que não existem evidências robustas de que níveis maiores de endividamento público têm efeitos negativos para o crescimento econômico.
Também seria relevante vedar os contingenciamentos dos recursos da área educacional, bem como os condicionamentos a aprovação legislativa, usuais nos últimos anos para contornar a regra de ouro. Além disso, precisamos aprovar um Sistema Nacional de Educação (SNE) que qualifique tanto o acompanhamento e a avaliação das despesas orçamentárias, quanto a capacidade de cooperação na execução desses recursos, inclusive para fins de economicidade.
Estamos cansados de ouvir que o Ministério da Educação foi omisso durante a pandemia no que tange a sua função legal de coordenar as políticas educacionais. É verdade, mas nossos problemas são bem maiores do que isso. Alguns gestores locais e regionais se preocupam em aprovar uma anistia para quem não cumprir a Constituição (PEC 13/2021) e em mudar o indexador do piso nacional que valoriza os salários dos docentes (ainda defasados em relação aos trabalhadores com mesma formação). Poderiam dedicar a mesma energia para qualificar a gestão educacional, blindando-a de interesses político imediatistas e da mediocridade, para fins de cumprir a lei e executar os recursos de forma eficiente.
Secretarias e coordenadorias regionais de educação precisam ser ocupadas por pessoas com vínculo com as redes de ensino, com conhecimento tanto legal e técnico, quanto da realidade das escolas e suas comunidades. Precisamos de uma gestão da proximidade (escuta e pé na escola) combinada com a priorização política da educação por parte de governadores e prefeitos. Como repete incansavelmente a procuradora Élida Graziane, quem não se planeja aceita qualquer coisa. A negligência e o improviso que observamos na execução orçamentária da educação nos últimos dois anos muito se explicam pela falta de planejamento e de profissionalização das gestões da área.
Enquanto a educação, bem como a ciência e tecnologia, for uma das primeiras áreas para a qual se olha quando o objetivo é cortar despesas e uma das últimas quando se vai investir, continuaremos como o eterno país do futuro, altamente dependente, pouco competitivo e solapado por nossas desigualdades.
*Artigo publicado orginalmente no Valor Econômico.
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