Quem acompanha o debate educacional já deve estar cansado de ouvir que faltou coordenação do Ministério da Educação (MEC) durante o governo Bolsonaro, principalmente diante dos efeitos deletérios da pandemia na área. Os casos de suspeita de corrupção envolvendo pastores indicados pelo presidente pedindo propina (em barras de ouro, dinheiro vivo em pneu) em troca de recursos arranjados do FNDE deu contornos mais trágicos ao que se tornou o MEC. Isso tudo é verdade, porém, precisamos de um MEC protagonista não apenas para recuperar a credibilidade técnica e política da pasta, mas também porque temos, pelo menos, quatro grandes e complexos desafios para os próximos anos.
Sistema Nacional de Educação e o INEP
1 – O MEC terá de conduzir a aprovação e o funcionamento orgânico de um Sistema Nacional de Educação (SNE) que garanta uma gestão federativa em caráter sistêmico, que dê atenção ao “como” implementar políticas que ampliem a qualidade da oferta e do aprendizado, com foco na promoção da equidade. Para isso, será fundamental o fortalecimento político e orçamentário do Inep, bem como a viabilização da sua autonomia como instituição permanente de Estado. A autarquia precisa desenvolver e consolidar inúmeros indicadores de avaliação, como o novo Ideb e um novo ENEM, e contribuir para a formatação dos parâmetros do Custo Aluno Qualidade previsto na Constituição Federal.
FNDE e CAPES
2 – O MEC precisa repensar os programas e o funcionamento do FNDE. Há evidências de que os municípios mais pobres e com condições educacionais mais desfavoráveis não são os mais beneficiados com recursos de transferências voluntárias da União. Mesmo os programas concebidos para uma distribuição mais equitativa de recursos não alcançam os municípios com piores infraestruturas técnico-administrativas. O MEC também terá de “devolver” a Capes para a comunidade acadêmica brasileira, sendo rigoroso diante da pressão de determinados grupos de interesse e não permitindo que interpelações descontextualizadas do Ministério Público, como as recentes, prosperem. É imperativo reajustar os defasados valores das bolsas, da graduação ao pós-doutorado.
IFES e formação de professores
3- O MEC terá que, ao passo que retoma gradualmente um orçamento digno de custeio e investimento para universidades e institutos federais, fomentar que essas instituições ampliem as parcerias com a sociedade civil, desmistificando o uso do marco da ciência e tecnologia como forma de arrecadação própria. Também terá de conduzir um diálogo franco com as instituições formadoras para transformarmos os pilares da formação inicial de professores. Diante do crescimento desenfreado da modalidade EAD nos cursos de licenciaturas, corremos o risco de formarmos gerações de docentes de forma aligeirada e com qualidade precária. Critérios mais rígidos para autorização e avaliação dos cursos EAD de licenciaturas terão de entrar em pauta. O MEC também terá de elaborar políticas de fomento à docência para combatermos o apagão docente que já é realidade em muitas regiões e irá se intensificar, além de pensar em uma avaliação docente nacional ao final do curso.
Mais gestão e mais recursos
4 – Um MEC protagonista significa, por fim, ser propositivo para qualificar em escala relevante a prestação de assistência técnica e financeira da União (fomentando a dos estados para com os municípios também), ser altivo para prospectar mais recursos para educação dentro da administração federal e ser intransigente na garantia das conquistas previstas no novo Fundeb, entre elas uma maior complementação da União ao fundo que vem ocorrendo mediante cortes em outras áreas e não como acréscimo real de recursos. Inclusive, a complementação da União ao Fundeb pode ser a via para a concretização do Custo Aluno Qualidade e para o atendimento ao direito à educação infantil (creche e pré-escola), pacificado pelo Supremo Tribunal Federal.
Por óbvio, há outros inúmeros desafios no horizonte, os pontos aqui elencados constituem uma agenda básica para o MEC promover um novo pacto federativo para a gestão educacional. Neste sentido, o protagonismo do MEC não significa centralização, mas foco no aperfeiçoamento dos processos e dos atores que são determinantes para a qualidade da educação ofertada.