Artigo de março de 2021 na The Lancet aborda o tema da retomada presencial das atividades escolares, o estudo aponta que “a reabertura da escola sem medidas de mitigação robustas instaura o risco de acelerar a pandemia”.
Embora o trabalho foque no contexto europeu, penso que a análise é muito válida para travar o debate no Brasil, atual epicentro da pandemia no mundo e país cuja infraestrutura das escolas está bem abaixo daquela observada nos países desenvolvidos.
O retorno às escolas o mais rápido possível é fundamental para a educação, o desenvolvimento social e o bem-estar físico e mental das crianças, não resta dúvidas. Porém, ao que parece, não foi feito o suficiente (como governo e sociedade) para tornar as escolas mais seguras para alunos e funcionários. Sem mitigações adicionais, aumentos na transmissão são prováveis, desta vez com variantes mais infecciosas e possivelmente mais virulentas, resultando em mais fechamentos gerais de comércio e serviços, fechamentos das escolas e absenteísmo.
Os argumentos de que as escolas não contribuem para a transmissão na comunidade e que o risco geral para as crianças do COVID-19 é muito pequeno, serviu para que as mitigações nas escolas recebessem baixa prioridade. Segundo os autores, as evidências para embasar esses argumentos têm sérias limitações.
O fechamento de escolas primárias e secundárias foi associado a reduções substanciais ao longo do tempo no número de reprodução efetiva (Rt) em muitos países (incluindo a Inglaterra). Em contraste, os dados do Office for National Statistics ‘(ONS) 2020 COVID-19 Infection Survey mostram que a prevalência de infecção entre crianças de 2–10 anos (2%) e 11–16 anos (3%) aumentou acima da prevalência para todas as outras faixas etárias antes das férias de Natal de 2020.
Os dados mostram casos crescentes em regiões onde a variante SARS-CoV-2 B.1.1.7 prevaleceu durante o bloqueio em novembro de 2020 (quando as escolas estavam abertas) e sugerem que a abertura de todas as escolas agora, sem medidas mitigatórias robustas, provavelmente levará a Rt a subir acima de 1 em quase todos os cenários.
Ao longo de fevereiro de 2021, apesar de menos alunos estarem na escola neste momento, o corpo docente estava em maior risco de infecção. Surtos recentes em escolas no norte da Itália, onde a variante B.1.1.7 é prevalente, são preocupantes. Embora seja improvável que COVID-19 cause doença grave em crianças, as estimativas da prevalência de sintomas longos de COVID com base na Pesquisa de Infecção do ONS sugerem que 13% das crianças de 2 a 10 anos e 15% das crianças de 12 a 16 anos têm pelo menos um sintoma persistente de 5 semanas após o teste ser positivo.
Dada a incerteza sobre os efeitos a longo prazo da infecção do SARS-CoV-2 na saúde, não seria sensato deixar o vírus circular em crianças, com o consequente risco para suas famílias. A reabertura total em um ambiente ainda de alta transmissão na comunidade (bandeira preta) sem salvaguardas apropriadas amplia o risco de privar muitas crianças da educação e da interação social novamente, agravando as desigualdades existentes.
Os achados recentes indicam que o contágio majoritário ocorre através de aerossóis respiratórios e que a transmissão aérea em ambientes fechados é o centro da pandemia. Aerossóis se espalham por até 10 metros e podem permanecer no ar por horas. Ventilação, uso correto de boas máscaras e poucas pessoas nos ambientes são fatores fundamentais.
O trabalho mencionado traz um painel (imagem abaixo) de recomendações que estão em linha com as diretrizes dos Centros dos EUA para Controle e Prevenção de Doenças (CDC) e praticadas em muitos países para reduzir o risco de transmissão nas escolas e mitigar o impacto do COVID-19 nas crianças e famílias.
Um conjunto detalhado de recomendações e um infográfico são fornecidos no apêndice do trabalho. Tornar as escolas mais seguras anda de mãos dadas com a redução da transmissão na comunidade e é essencial para permitir que as escolas reabram com segurança e permaneçam abertas.
Gestão federal desastrosa, baixa testagem, novas variantes, índice de contágio alto, colapso hospitalar, pessoas mais novas sendo internadas e morrendo, falta de investimento nas escolas já precárias são pontos que justificam a resistência ao retorno presencial hoje das escolas. Como destaquei em outros textos e até no ano passado em que a conjuntura já era outra, o contexto e o “time” são variáveis centrais no debate do retorno presencial.
Como as vacinas para adolescentes e crianças não chegarão tão cedo, o investimento na qualificação do ensino remoto, na inclusão digital e na adaptação das escolas nunca fez tanto sentido. Apenas esperar para que o contágio se reduza e os adultos se vacinem, crendo que com isso iremos “voltar ao normal”, é um erro. Enquanto houver medo generalizado e riscos para as crianças, o ensino presencial estará em xeque.