Os primeiros meses de 2021 para a educação*

Se no início da pandemia (março/abril 2020) “fechamos tudo”, com exceção dos serviços essenciais, agora (março/abril 2021), que estamos no pior momento da calamidade pública, não faz sentido ter as escolas funcionando plenamente. Em bandeira preta, ou seja, com um índice de contágio alarmante, devemos fazer um isolamento social ainda maior do que o feito no ano passado.

Quando se está com 100% das UTIs lotadas, uma pessoa faz a diferença entre a vida e a morte.  Falta consciência coletiva na população, com o sistema de saúde em colapso e curva de casos crescendo ou em um platô elevado, cabe ao gestor local e escolar tomar decisões responsáveis, ainda que impopulares. Precisamos dar um golpe agudo na taxa de contágio e isso pressupõe restrições severas na circulação de pessoas e escolas fechadas.  

Saindo da bandeira preta, sou daqueles que pensam que a escola deve ser prioridade, que outros setores deveriam ficar fechados para tentarmos o retorno presencial e parcial das crianças, mas, infelizmente não vivemos em um país que fez essa escolha política. Em vários outros lugares do mundo isso foi feito. Para se adotar essa postura de que “a escola será a última a fechar e a primeira a abrir” teria sido fundamental a garantia do cumprimento rigoroso de protocolos, o que pressupunha investimento. Qual é a realidade?

O Ministério da Educação (MEC) teve a menor execução orçamentária da década em 2020. 

No Brasil, 39% das escolas não dispõem de estruturas básicas para lavagem de mãos, segundo dados do Programa Conjunto de Monitoramento da OMS e do UNICEF para Saneamento e Higiene (JMP)

Conforme o Censo Escolar 2020, mais de 8 mil escolas brasileiras declararam inexistente o acesso ao esgoto sanitário. Mais de 3,4 mil escolas declaram inexistente o acesso ao abastecimento de água.

Essa postura de priorizar a escola (idealmente correta) restou ainda mais arriscada com a predominância de variante mais contagiosa em 2021. Se de setembro a novembro de 2020 (veja meu texto dessa data no link) vivíamos um cenário em que pensar o retorno presencial parecia plausível, hoje (abril de 2021) o contexto é outro. A insegurança, o medo, a situação dos hospitais e o nível de óbitos diários tornam tudo mais difícil para pensar atividades presenciais.


O “time” e o contexto local são definitivos no debate sobre o retorno das escolas, o desafio é avaliar cada município, cada escola, cada sala, planejar em cima de condições concretas, não de abstrações. Quais serão as ações nos primeiros dias? Que projetos serão realizados? Que conteúdos serão priorizados? Quais serão os protocolos e como será fiscalizado se eles estão sendo cumpridas? Como será a interação com as famílias? Que pactos protetivos podem ser compartilhados? Planejar tudo isso é fundamental para que o retorno tenha êxito, seja quando for. A situação epidemiológica vai se alterando e você pode estar lendo isso em uma região em as escolas podem retornar logo ou em outra que pode estar vivendo outro pico da pandemia.

Em paralelo, é essencial exigir a priorização dos docentes e funcionários de escola na vacinação. Penso que os da educação infantil e anos iniciais devem ser prioridade entre os professores.

O retorno das escolas vai ocorrer assim que o índice de contágio, de ocupação de leitos e de óbitos se reduzir, será logo. Muitos lugares irão tentar a oferta híbrida, ideia muito mal concebida no Brasil. Em geral, estamos falando de um revezamento de alunos, mas o professor tem que estar presente sempre (e disponível online quando em casa), o que implica em riscos para ele quando o contágio está elevado. Conceitualmente, ensino híbrido não é revezamento, ele pressupõe uso integrado e coerente de atividades presenciais e remotas, além de metodologias ativas específicas. 


Onde for possível alguma atividade em revezamento, quem deve ser ouvido são os docentes e os gestores escolares, eles têm clareza sobre suas condições de trabalho e cumprir protocolos. Com o contágio mais controlado, é possível pensar a reabertura mediante um conjunto de condições: bons EPIs e corretamente utilizados, higienização rigorosa e constante, distanciamento, rastreamento e testagem diagnóstica combinada com isolamento e quarentena quando casos são identificados. Temos condições de garantir isso? 

Como reiterado no ano passado, a inclusão digital para quem não têm acesso tem de ser prioridade do poder público. O uso das ferramentas digitais veio para ficar. O aperfeiçoamento da formação dos professores, a impressão de bons materiais para os alunos são importantes agora também. Enquanto são se souber ao certo os efeitos de médio e longo prazo que crianças podem desenvolver, mesmo com o retorno presencial e vacinação docente, não podemos tolerar ampla circulação do vírus entre eles

Quanto mais irresponsável é a sociedade (em especial as elites econômicas que  chantageiam prefeitos e boicotam restrições necessárias) e suas autoridades (em especial o governo federal que faz péssima gestão na pandemia e demorou para manter o auxílio emergencial), mais tempo as crianças ficarão sem a escola presencial, maiores serão os prejuízos de aprendizagem e a evasão. 

*Esse texto traz a íntegra das respostas que dei à repórter Taís Teixeira do Correio do Povo sobre o início de 2021 para educação, sua matéria está nesse link. As considerações se direcionam a realidade do Rio Grande do Sul, mas cabe para boa parte do país.

Please follow and like us: