O pensamento binário

A pulverização das redes sociais como espaço de debates públicos nas últimas décadas, trouxe à luz um exército poderoso, o do pensamento binário. Não é incomum que discussões, acusações e até ofensas tenham suas raízes nas profundezas de uma mente binária. Como é esse pensamento?

O pensamento binário não é característica necessária do “imbecil” do qual fala Umberto Eco, esse é outro exército. O pensamento binário é o que pouco considera a escala, a magnitude. Por exemplo, ele entende que polarização é o mesmo que simetria, que comparação é correspondência, que correlação é causalidade.

O pensamento binário entende que apontar um aspecto negativo em alguém (partido, grupo, governo, medida) significa defender outro alguém (partido, grupo, governo, medida) que ele acredita ser o oposto do criticado primeiramente. Ele prefere a percepção a reflexão.

As inferências do pensamento binário são as portas da confusão. Ele infere intencionalidades com base no não dito, de acordo com sua apreciação dicotomizada da realidade. Por exemplo, se você, por princípio, defende algo que beneficia alguém, você necessariamente defende alguém. Ele liga pontos errados e se desaponta.

O pensamento binário não aceita que se seja contra e favor de algo ao mesmo tempo, que se analise uma proposta ou personalidade com nuances, ele detesta paradoxos complexos pois apreciá-los o expõe. Se o raciocínio não for um paralelepípedo (em bloco) é sinal que se está tergiversando para “não admitir isso ou aquilo”.

O pensamento binário quer adjetivos, quer sossego interpretativo, conclusões que o confortem moralmente. Ele se irrita se não identificar taxonomias, foge da hermenêutica, recusa o simbólico o máximo possível. Depois de irritado, o binarismo perde a vergonha e a compostura.

O pensamento binário intervém nos debates com insinuações que colocam o interlocutor em caixas depreciativas, em geral relativas a temas não tratados naquele diálogo. Ele vincula pessoas a um “grupo”, que julga negativo, em função dos supostos ataques que essas pessoas estariam fazendo ao “grupo” que ele julga positivo.

Os seres humanos são máquinas de julgar, de apontar nos outros problemas que, por vezes, são oriundos de seus limites de compreensão. O pensamento binário parte de premissas simplórias, mas fala alto, acusa, agride, classifica e, por mais contraditório que isso seja, é dotado de certezas. Certezas na economia ou na política, por exemplo, são bem mais deletérios do que construtivas.

Queremos identificação, gritar juntos, bradar em grupo. Se alguém desafina, destoa, “ué, achei que ele era dos nossos, achei que compartilhasse do nosso projeto, fosse da nossa seita. Como ele demostrou que não, deve ser da seita inimiga, não serve mais.” Na medida que alguém sai do script ideológico aceito pelo pensamento binário, essa pessoa passaria a “passar pano” para o adversário, a abrir flancos desnecessários.

Queremos “música para os ouvidos”, do contrário achamos tudo que se ouve desafinado. O pensamento binário tem muita dificuldade de conviver com a divergência, com o contraditório, por isso prefere levar as discussões para o âmbito pessoal ou moral.

Importante! O pensamento binário pode ser superado, a depender do tema, é normal que tenhamos um pensamento assim inicialmente. Depende muito da nossa disposição de deixar de fazer juízos morais, de se desconstruir, superar preconceitos gradativamente e de estudar sempre.

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